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Foto do escritorMatheus Dias Vasconcelos

O A

Te orienta


Se você se diz pertencer ou ter curiosidade pelo campo onde atuo, o qual preza pela erudição e demanda que seus representantes sejam "cultes", mas ao mesmo tempo não lê 10 ínfimos cartões com pouquíssimo texto ou 2.200 caracteres em uma rede que valoriza tão pouco a leitura e tão mais a imagem, em primeiro lugar: não me dirijo a você, e se extrais algo de benéfico do que aqui se diz é por sorte, e não por intenção minha, pois, como argumentarei neste post, há algo de uma desonestidade intelectual pueril nessa postura que deve ser punido por ser tão danoso à fiel localização daquilo que, dentre n possibilidades, mereceria representar o campo ao qual pertence.


Falo, antes, a quem não se esquive do medo ou de qualquer afeto antagonista diante de um horizonte desconhecido na práxis de uma verdadeira preocupação com a acreção dos saberes (latto sensu), não-saberes e elaborações dos discursos humanos. Falo a quem sustenta a FOMO ou quaisquer ansiedades de proveta da crescente desumanização política em prol de um avanço teórico-prático além de narcisismos patéticos do mostrar a carga de saber que se tem ou participar de determinadas culturas sem uma apreensão em sangue daquilo que se estuda. Intelectualismo verdadeiramente transgressivo - que é o da Psicanálise - tem de ser obsceno. Se faz parte da cena, segue ordens da direção. Ler Proust não para dizer que o leu. Senti-lo. Se pertinente, falar.


Pensemos na noção de campo. Múltiplas formas de pensá-la. Pode-se padronizar a coisa em função do objeto. Uma forma pobre de conceituar esta ideia mas ainda assim válida. Todavia tentemos ser mais elegantes: poderíamos definir o campo em função do conjunto de fenômenos estudados por ele, abarcando os objetos que suas vertentes internas argumentam ser(em) o(s) melhor(es) para estudar os tais fenômenos. Podemos deixar a definição ainda mais elegante: trata-se da idiossincrasia fenomenológica, abarcando as diversas formas fenomênicas produzidas por discursos diversos que dizem estarem falando da mesma coisa. Múltiplos níveis, escalas e conceitos auxiliares podem ser associados aqui.


Fiquemos com a última definição parra o campo psi (i.e.: Psicologias, Psicanálises, Filosofias da mente e afins). Evidentemente, dentro do campo psi, falarei sobre a Psicanálise. O interessante da escolha da última definição é pensar que o campo pode ser definido por disputas acerca de quais posturas podem ser representativas dele. No campo das Psicanálises, como em todos os que conheço, há mais de uma vertente ativa. Algumas, por contingências históricas e afinidades políticas às hegemonias dos últimos decênios, obviamente possuem mais poder de disseminação. Nem por isso elas têm legítimo direito de representação quando se diz algo sobre "A Psicanálise".


Descobri a existência de uma vertente dialética da TCC por intermédio de uma escutadora a qual, mesmo sendo dessa abordagem, usa operadores de uma apropriação lacaniana com muito mais sensibilidade que diversas pessoas lacanianas por aí. Tal vertente parece menos insensata que as demais, em minha ignorância, e faço concessão ao falar dessa abordagem em função disso. Imagine-se, também, que o mesmo é válido para diversos outros campos: há diversos cartesianismos; diversos kleinianismos, anna-freudismos, etc. Mas não é isso o que aparece nos comentários por aí. Diz-se "A psicanálise perpetua x" ou "A psicanálise tem a potência para y". Não se justifica o que se quer significar com esse artigo posto no singular. Não se estuda aquilo sobre o que se comenta. A impressão que dá é que desaprenderam a escrever. Ainda mais que desaprenderam a ler. Acostuma-se com uma heurística a qual na verdade é um sofisma, alegando 1) necessidade de pragmatismo e 2) crença na impossibilidade de avançar mais na elaboração de um saber com menos equívocos. da cultura da aurora escolar que desaprendeu a filosofia e diz, diante de quem quer que tente aplicar um pouco de cuidado às palavras: "não nos detamos isso, se não ficaríamos discutindo aqui por muito tempo", até essa liquidez do capitalismo tardio na qual mesmo no campo psi, que tem como um dos seus horizontes a elaboração, desaprendeu-se justamente o ruminar nietzscheano.


Há diversas apreensões de Lacan. Temos o unicórnio mítico do equivalente ao centrismo na figura de André Green; temos os presos à ontologia heidegeriana na tradição italiana de Galimberti, Bodei, Vattimo; temos os populares que escondem suas chagas e tentativas swiftianas de passar por cima de problemas como Melman, Fink, Dör; historiadores como a Roudinesco; temos quem se anime demais nas possibilidades, como Zizek ou Safatle; temos a sensatez tímida de Rose, Lambotte, etc. Enfim, diversos semblantes de teoria. Não é requerido documento de comprovação de estudo ruminante parra que se fale de algum lacanismo. Apenas, que se tenha cuidado com a língua. Pouco rigor de discurso onde se valoriza a fala é, no mínimo, ou burrice ou agenda.


Não cairá o dedo de ninguém ao escrever "As Psicanálises freudianas europeias sustentam uma acepção de sexualidade que subvaloriza os fenômenos identitários dando a eles uma conotação e entendimento que são antagônicos à construção de modos de ser e estar no mundo perfeitamente legítimos e sem ter tais expressões como eixos centrais de sua organização anímica". ao invés disso, muda-se o começo da frase e diz-se "A psicanálise..." Não. E é de um sintomático delicioso de se ler que fale-se tanto de pluralidades e se use tanto o singular. Não nos tornaremos desocupades na Ágora à moda grega ao explicitar as delimitações do que queremos dizer. Pelo contrário: se são tão apressades, assim avançaremos mais rapidamente.


Atentar-se para o fato de que nós, preocupados com esse campo, admitimos sem precisar de crítica: há muito a ser feito. É preciso sair do conforto da não-aposta da posição de críticas e ousar ser a criação exposta à crítica. Ao invés de apenas comentar posturas adotadas, adotar uma postura. Ao invés de recair na ridícula fetichização da humildade judaico-cristã e não ousar neologizar, etimologizar e criar novas articulações, é preciso ser confrontose. Timidez em um contexto de necessidade de descoberta me diz, antes, onde você não pertence - agora sim, no singular, pois falo da que acredito: se és assim, não pertences à Psicanálise. Meça suas palavras, parça.




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